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6 de março de 2014

Conto fantástico: A massa não é máscula

             
               Ele era reconhecido nos lugares, amado nos palanques e criticado nos centros acadêmicos. Tinha uma imagem invejável e respeitável, todos se sentiam inferiores por perto. Sabia diferenciar Manet de Monet, ia às reuniões de pais e através de pouco suor no ar condicionado tinha sua capacidade transformada em ouro.
               O político Leucipo Ferreira era o orgulho da nação e em um futuro próximo seria o presidente. Pode-se dizer que ele tinha “vergonha” de sua fortuna. A fortuna tinha proporções incalculáveis, que nem o próprio dono sabia ao certo. O que podia destruí-lo um dia era sua mania de não se contentar, a vida inteira quis ser o melhor em tudo e, para se contentar economicamente, logo caiu na malandragem e depois na corrupção. Através dos seus métodos ele não seria pego nem na morte, afinal quase nada estava no nome de Leucipo, personas eram criadas e compradas no cartório para representar cada tonelada de notas.
               Certo dia acorda todo dolorido, se sentindo sujo (e estava), o nariz entupido por cheiro forte de tinta e a boca seca e petrificada com gosto amargo. Estava em um cenário pobre e imundo jamais visto. Questionou se havia sido sequestrado. Escutou uma ordem de levantar e recomeçar. Levantou-se no cubículo atrás de um banheiro. Quando olhou para o espelho se viu, mas não se viu. Não havia pistas de suas cirurgias, peelings e botox, seu rosto trabalhado e másculo agora dava espaço a um velho com cara de ninguém.
               Percebeu que estava no subsolo de uma gráfica rudimentar que não parava, cheia de velhacos como ele em revezamento. Os maquinários trabalhavam na impressão de milhões de cópias de um modelo de folder. O folder dizia:... De repente não reconhecia mais as letras e palavras. Porém, havia uma foto de um homem maduro, sério e másculo. Parecia com ele, mas não era mais assim. O homem agora era apenas mais um homem. No entanto, um dia, quando esse homem foi Leucipo, ele desviou dinheiro para acabar com o trabalho escravo e o analfabetismo.
               A vida na gráfica durou até o fim das eleições, no qual o homem másculo foi eleito disparadamente, para todos era o futuro da nação. Agora o homem só lembrava-se da vida na gráfica, mas algo lhe dizia que seu país seria um caos diabólico e deprimente de agora em diante. A vida nas ruas era quente e mendiga, mas ele não estava sozinho, cada vez mais se via famílias vivendo de sobras e deitadas em papelões. O homem não durou muito, ele morreu de fome. Ou foi atropelado? Não, não, deve ter sido em mais um tiroteio. Muito mais humano que morrer de câncer no Sírio-Libanês.

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